Фернандо Пессоа - Банкир-анархист и другие рассказы
- Название:Банкир-анархист и другие рассказы
- Автор:
- Жанр:
- Издательство:Центр книги Рудомино
- Год:2016
- Город:Москва
- ISBN:978-5-00087-081-5
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— E a teoria, que você tem hoje, é a mesma que tinha nessa altura?
— A mesma. A teoría anarquista, a verdadeira teoría, é só uma. Tenho a que sempre tive, desde que me tornei anarquista. Você já vai ver… Ia eu dizendo que, como era lúcido por natureza, me tornei anarquista consciente. Ora o que é um anarquista? É um revoltado contra a injustiça de nascermos desiguais socialmente — no fundo é só isto. E daí resulta, como é de ver, a revolta contra as convenções sociais que tornam essa desigualdade possível. O que lhe estou indicando agora é o caminho psicológico, isto é, como é que a gente se torna anarquista; já vamos à parte teórica do assunto. Por agora, compreenda você bem qual seria a revolta de um tipo inteligente ñas minhas circunstâncias. O que é que ele vê pelo mundo? Um nasce filho de um milionário, protegido desde o berço contra aqueles infortúnios — e não são poucos — que o dinheiro pode evitar ou atenuar; outro nasce miserável, a ser, quando criança, uma boca a mais numa família onde as bocas são de sobra para o comer que pode haver. Um nasce conde ou marquês, e tem por isso a consideração de toda a gente, faça ele o que fizer; outro nasce assim como eu, e tem que andar direitinho como um prumo para ser ao menos tratado como gente. Uns nascem em tais condições que podem estudar, viajar, instruir-se — tornar-se (pode-se dizer) mais inteligentes que outros que naturalmente o são mais. E assim por adiante, e em tudo…
«As injustiças da Natureza, vá: não as podemos evitar. Agora as da sociedade e das suas convenções — essas, por que não evitá-las? Aceito — não tenho mesmo outro remédio — que um homem seja superior a mim por o que a Natureza lhe deu — o talento, a força, a energia; não aceito que ele seja meu superior por qualidades postiças, com que não saiu do ventre da mâe, mas que lhe aconteceram por bambúrrio logo que ele apareceu cá fora — a riqueza, a posição social, a vida facilitada, etc. Foi da revolta que lhe estou figurando por estas considerações que nasceu o meu anarquismo de então — o anarquismo que, já lhe disse, mantenho hoje sem alteração nenhuma.
Parou outra vez um momento, como a pensar como prosseguiria. Fumou e soprou o fumo lentamente, para o lado oposto ao meu. Voltou-se, e ia a prosseguir. Eu, porém, interrompi-o.
— Uma pergunta, por curiosidade… Por que é que você se tornou propriamente anarquista? Você podia ter-se tornado socialista, ou qualquer outra coisa avançada que não fosse tão longe. Tudo isso estava dentro da sua revolta… Deduzo do que você disse que por anarquismo você entende (e acho que está bem como definição do anarquismo) a revolta contra todas as convenções e fórmulas sociais e o desejo e esforço para a abolição de todas…
— Isso mesmo.
— Por que escolheu você essa fórmula extrema e não se decidiu por qualquer das outras… das intermédias?…
— Eu lhe digo. Eu meditei tudo isso. É claro que nos folhetos que eu lia via todas essas teorias. Escolhi a teoria anarquista — a teoria extrema, como você muito bem diz — pelas razões que lhe vou dizer em duas palavras.
Fitou um momento coisa nenhuma. Depois voltou-se para mim.
— O mal verdadeiro, o único mal, são as convençõs e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais — tudo, desde a família ao dinheiro, desde a religião ao Estado. A gente nasce homem ou mulher — quero dizer, nasce para ser, em adulto, homem ou mulher; não nasce, em boa justiça natural, nem para ser marido, nem para ser rico ou pobre, como também não nasce para ser católico ou protestante, ou português ou inglês. É todas estas coisas em virtude das ficções sociais. Ora essas ficções sociais são más porquê? Porque são ficções, porque não são naturais. Tão mau é o dinheiro como o Estado, a constituição da família como as religiões. Se houvesse outras, que não fossem estas, seriam igualmente más, porque também seriam ficções, porque também se sobreporiam e estorvariam as realidades naturais. Ora qualquer sistema que não seja o puro sistema anarquista, que quer a abolição de todas as ficções e de cada uma délas completamente, é uma ficção também. Empregar todo o nosso desejo, todo o nosso esforçó, toda a nossa inteligência para implantar, ou contribuir para implantar, uma ficção social em vez de outra, é um absurdo, quando não seja mesmo um crime, porque é fazer uma perturbação social com o fim expresso de deixar tudo na mesma. Se achamos injustas as ficções sociais, porque esmagam e oprimem o que é natural no homem, para que empregar o nosso esforço em substituir-lhes outras ficções, se o podermos empregar para as destruir a todas?
«Isto parece-me que é concludente. Mas suponhamos que o não é; suponhamos qe nos objectam que isto tudo estará muito certo, mas que o sistema anarquista não é realizável na prática. Vamos lá a examinar essa parte do problema.
«Por que é que o sistema anarquista não seria realizável? Nós partimos, todos os avançados, do princípio, não só de que actual sistema é injusto, mas de que há vantagem, porque há justiça, em substituí-lo por outro mais justo. Se não pensamos assim, não somos avançados, mas burgueses. Ora de onde vem esse critério de justiça ? Do que é natural e verdadeiro, em oposição às ficções sociais e às mentiras da convenção. Ora o que é natural é o que é inteiramente natural, não o que é metade, ou um quarto, ou um oitavo de natural. Muito bem. Ora, de duas coisas, uma: ou o natural é realizável socialmente ou não é; em outras palavras, ou a sociedade pode ser natural, ou a sociedade é essencialmente ficção e não pode ser natural, então pode haver a sociedade anarquista, ou livre, e deve haver, porque é ela a sociedade inteiramente natural. Se a sociedade não pode ser natural, se (por qualquer razão que não importa) tem por força que ser ficção, então do mal o menos; façamo-la, dentro dessa ficção inevitável, o mais natural possível, para que seja, por isso mesmo, o mais justa possível. Qual é a ficção mais natural? Nenhuma é natural em si, porque é ficção; a mais natural, neste nosso caso, será aquela que pareça mais natural, que se sinta como mais natural. Qual é a que parece mais natural, ou que sintamos mais natural? É aquela a que estamos habituados. (Você compreende: o que é natural é o que é do instinto; e o que, não sendo instinto, se parece em tudo como o instinto é o hábito. Fumar não é natural, não é uma necessidade do instinto; mas, se nos habituámos a fumar, passa a ser-nos natural, passa a ser sentido como uma necessidade do instinto). Ora qual é a ficgção social que constituí um hábito nosso? É o actual sistema, o sistema burguês. Temos pois, em boa lógica, que ou achamos possível a sociedade natural, e seremos defensores do anarquismo; ou não a julgamos possível, e seremos defensores do regime burguês. Não há hipótese intermédia. Percebeu?…
— Sim, senhor; isso é concludente.
— Ainda não é bem concludente… Aínda há uma outra objecgáo, do mesmo género, a liquidar… Pode concordar-se que o sistema anarquista é realizável, mas pode duvidar-se que ele seja realizável de chofre — isto é, que se possa passar da sociedade burguesa para a sociedade livre sem haver um ou mais estados ou regimes intermédios. Quem fizer esta objecção aceita como boa, e como realizável, a sociedade anarquista; mas palpita-lhe que tem que haver um estado qualquer de transição entre a sociedade burguesa e ela.
«Ora muito bem. Suponhamos que assim é. O que é esse estado intermédio? O nosso fim é a sociedade anarquista, ou livre; esse estado intermédio só pode ser, portanto, um estado de preparação da humanidade para a sociedade livre. Essa preparação ou é material, ou é simplesmente mental; isto é, ou é uma série de realizações materiais ou sociais que vão adaptando a humanidade à sociedade livre, ou é simples propaganda gradualmente crescente e influente, que a vai preparando mentalmente a desejá-la ou a aceitá-la.
«Vamos ao primeiro caso, a adaptação gradual e material da humanidade à sociedade livre. É impossível; é mais que impossível: é absurdo. Não há adaptação material senão a uma coisa que já há. Nenhum de nós se pode adaptar materialmente ao meio social do sáculo vinte e três, mesmo que saiba o que ele será; e não se pode adaptar materialmente porque o sáculo vinte e três e o seu meio social não existem materialmente ainda. Assim, chegamos à conclusão de que, na passagem da sociedade burguesa para s sociedade livre, a única parte que pode haver de adaptação, de evolução ou de transição é mental, é a gradual adaptação dos espíritos à ideia da sociedade livre… Em todo o caso, no campo da adaptação material, ainda há uma hipótese…
— Irra com tanta hipótese!..
— Ó filho, o homem lúcido tem que examinar todas as objecções possíveis e de as refutar, antes de se poder dizer seguro da doutrina. E, de mais a mais, isto tudo é em resposta a uma pergunta que você me fez…
— Está bem.
— No campo da adaptação material, dizia eu, há em todo o caso uma outra hipótese. É a da ditadura revolucionária.
— Da ditadura revolucionária como?
— Como eu lhe expliquei, não pode haver adaptação material a uma coisa que não existe, materialmente, ainda. Mas se, por um movimento brusco, se fizer a revolução social, fica implantada já, não a sociedade livre (porque para essa não pode a humanidade ter ainda preparação), mas uma ditadura daqueles que querem implantar a sociedade livre. Mas existe já, ainda que em esboço ou em começo, existe já materialmente qualquer coisa da sociedade livre. Há já portanto uma coisa material, a que a humanidade se adapte. É este o argumento com que as bestas que defendem a «ditadura do proletariado» a defenderiam se fossem capazes de argumentar ou de pensar. O argumento, é claro, não é deles: é meu. Ponho-o, como objecção, a mim mesmo. E, como vou mostar…, é falso.
«Um regímen revolucionário, enquanto existe, e seja qual for o fim a que visa ou a ideia que o conduz, é materialmente só uma coisa — um regime revolucionário. Ora um regímen revolucionário quer dizer uma ditadura de guerra, ou, nas verdadeiras palavras, um regímen militar despótico, porque o estado de guerra é imposto à sociedade por uma parte déla — aquela parte que assumiu revolucionariamente o poder. O que é que resulta? Resulta que quem se adaptar a esse regímen, como a única coisa que ele é materialmente, mediatamente, é um regímen militar despótico, adaptase a um regímen militar despótico. A ideia, que conduziu os revolucionários, o fim, a que visaram, desapareceu por completo da realidade social, que é ocupada exclusivamente pelo fenómeno guerreiro. De modo que o que sai de uma ditadura revolucionária — e tanto mais completamente sairá, quanto mais tempo essa ditadura durar — é uma sociedade guerreira de tipo ditatorial, isto é, um despotismo militar. Nem mesmo podia ser outra coisa. E foi sempre assim. Eu não sei muita história, mas o que sei acerta com isto; nem podia deixar de acertar. O que saiu das agitações políticas de Roma? O império romano e o seu despotismo militar. O que saiu da Revolução Francesa? Napoleão e o seu despotismo militar. E você verá o que sai da Revolução Russa… Qualquer coisa que vai atrasar dezenas de anos a realização da sociedade livre… Também, o que era de esperar de um povo de analfabetos e de místicos?…
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