Фернандо Пессоа - Банкир-анархист и другие рассказы
- Название:Банкир-анархист и другие рассказы
- Автор:
- Жанр:
- Издательство:Центр книги Рудомино
- Год:2016
- Город:Москва
- ISBN:978-5-00087-081-5
- Рейтинг:
- Избранное:Добавить в избранное
-
Отзывы:
-
Ваша оценка:
Фернандо Пессоа - Банкир-анархист и другие рассказы краткое содержание
Банкир-анархист и другие рассказы - читать онлайн бесплатно полную версию (весь текст целиком)
Интервал:
Закладка:
Houve uma pequeña pausa. De repente ri alto.
— Realmente — disse eu —, você é anarquista. Em todo o caso, dá vontade de rir, mesmo depois de o ter ouvido, comparar o que você é com que são os anarquistas que pr’aí há…
— Meu amigo, eu já lho disse, já lho provei, e agora repito-lho… A diferençia é só esta: eles são anarquistas só teóricos, eu sou teórico e prático; eles são anarquistas místicos, e eu científico; eles são anarquistas que se agacham, eu sou um anarquista que combate e liberta… Em uma palavra: eles são pseudo-anarquistas, e eu sou anarquista.
E levantámo-nos da mesa.
Lisboa, Janeiro de 1922.Crónica decorativa I
A circunstância humana de eu ter amigos fez com que ontem me acontecesse vir a conhecer o Dr. Boro, professor da Universidade de Tóquio. Surpreendeu-me a realidade quase evidente da sua presenga. Nunca supus que um professor da Universidade de Tóquio fosse uma criatura, ou sequer coisa, real.
O Dr. Boro — sinto que me custa doutorá-lo — pareceu-me escandalosamente humano e parecido com gente. Vibrou um golpe, que me esforço por desviar de decisivo, ñas minhas ideias sobre o que é o Japão. Trajava à europeia, e, como qualquer mero professor existente na Universidade de Lisboa,tinha o casaco por escovar. Ainda assim, por delicadeza, dei-me por ciente, durante duas horas, da sua presença próxima.
Preciso explicar que as minhas ideias do Japão, da sua flora e da fauna, dos seus habitantes humanos e das várias modalidades de vida que lhes são próprias, derivam de um estudo demorado de vários bules e chávenas. Eu por isso sempre julguei que um japonês ou uma japonesa tivesse apenas duas dimensões; e essa delicadeza para com o espaço deu-me uma afeição doentia por aquele país económico de realidade. O professor Boro é sólido, tem sombra — várias vezes fiz com que o meu olhar o verificasse — e além de falar e falar inglés, coloca ideias e noções compreensíveis dentro das suas palavras. A circunstância de que as suas ideias não comportam nem novidade nem relevo apenas o aproxima dos professores europeus, pavorosamente europeus, que conheço.
Além disto, o professor Boro tem movimento, deslocase, não sei como, de um lado para o outro, o que, feito perante quem sempre teve o Japão por uma nação de quadro, parada e apenas real sobre transparéncia de louça, é requintadamente ordinário e desiludidor.
Falámos de política internacional, da guerra europeia, e fizemos várias incursões pelos vários fenómenos literários característicos da nossa época. A ignorância que o professor Boro tinha de futurismo foi a única benzina para a nódoa da sua realidade moderna. Mas há algum professor de alguma Universidade da Europa que siga de perto os movimentos da arte contemporânea?
Dado os factos que venho explicando, compre-ende-se que eu fosse avaro de o interrogar sobre o Japão. Para quâ? Ele era capaz de atirar para dentro da minha ignoráncia uma quantidade de coisas falsas. Quem sabe se ele se atrevería a insinuar pela conversa fora, como coisa normalmente acreditável, que no Japão há problemas económicos, dificuldades de vida para várias pessoas, cidades com lojas reais, campos com colheitas como as nossas, exércitos realmente parecidos com os da Europa e com execráveis aperfeiçoamentos científicos para guerras em verdade contemporáneas? Daqui ele não hesitaría talvez em me afirmar — com que cinismo nem eu mego — que no Japão os homens têm relaçóes sexuais com as mulheres, que nascem crianzas, que a gente de lá, em vez de estar sempre vestida como as figuras da louça japonesa, despe-se e veste-se como se fosse europeia. Por isso não tratámos do Japão. Perguntei ao professor se ele tinha tido uma boa viagem, e ele caiu em dizer-me que não — como se um estudioso como eu da porcelana nipónica pudesse admitir que há más viagens para os japoneses, que — delicioso povo! — nem sequer se dá ao trabalho de existir. As chávenas partem-se, não comportam tormentas. A frase «uma tempestade num copo de água» ou «numa chávena», como dizem outros, é puramente europeia.
Uma frase houve (casual, quero crer, no professor Boro) que me magoou mais do que outra.
Falávamos — eu, é claro, com o desprendimento com que se tratam estes assuntos feéricos — da influência dos mecanismos sobre a psicología do operário, quando se sabe — claro está — que o operário não tem psicología. E o professor referiu-se aos progressos industriáis do Japão e acrescentou urnas palavras, que me esforcei com metade de êxito para não ouvir, sobre (creio) movimentos operários no Japão e um fuzilamento (suponho) de não sei que chefe socialista. Eu há tempos — numa coluna sem dúvida humorística de um diário — vira em um telegrama de Tóquio constando qualquer coisa nesse tom; mas, além de não crer que de Tóquio se mandassem telegramas — visto Tóquio não dever ter mais do que duas dimensães —, ninguém que como eu tenha estudado a psicología japonesa através das chávenas e dos pires, admite progressos de qualquer espécie no Japão, indústrias japonesas, movimentos socialistas e chefes socialistas, ainda por cima fuzilados, como quaisquer europeus que vivem. Quem como eu conhece bem o Japão — o verdadeiro Japão, de porcelana e erros de desenho —, compreende bem a incompati-bilidade entre o progresso, indústria e socialismo, e a absoluta não-existência daquele país. Socialistas japoneses! Uma contradição flagrante! Uma frase sem sentido, como «círculo quadrado»! Se nem o inexistente estivesse livre do socialismo! Aquelas figuras deliciosas, eternamente sentadas ao pé de casas do tamanho délas, à beira de lagos absurdos, de um azul impossível, aquém de montanhas totalmente irreais — essas maravilhosas figuras, com uma perfeita e patriótica individualidade japonesa, não pertencem decerto ao horroroso mundo onde se progride, e onde sobre o artista desabam a morbidez do produtivo e a barbárie do humanitário.
E vem querer tirar-me estas convicções o professor Boro, da Universidade de Tóquio! Não mas tira. Não é para ser enganado pela primeira realidade que se me atira aos olhos que eu tenho gasto minutos distensos na contemplação científica e estéril de bules e chávenas japonesas. O mais provável, a respeito deste Boro, é que nascesse em Lisboa e se chame José. Do Japão, ele? Nunca.
Se ao menos achei japonesa a sua cara? Absolutamente nada. Basta dizer que era real e existiu ali diante de mim, duas dolorosas horas, em plena ocupaço inestética de todas as dimensões aproveitáveis (felizmente só três) do espaço autêntico. A sua cara parecia-se, é certo, com certas fotografias de «japoneses» que as ilustrações trouxeram há anos, e de vez em quando reincidindo trazem; mas toda a gente que sabe o que é o Japão ppor nunca lá ter ido sabe de cor que aquilo não são japoneses. E, de mais a mais, essas ilustrações eram principalmente de generáis, almirantes, e operações guerreiras. Ora é absolutamente impossível que no Japão haja generáis, almirantes e guerra. Como, de resto, fotografar o Japão e os japoneses? A primeira coisa real que há no Japão é o facto de ele estar sempre longe de nós, estejamos nós onde estivermos. Não se pode lá ir, nem eles podem vir até nós. Concedo, se me forgarem a isso, que existam um Tóquio e um Iocoama. Mas isso não é no Japão, é apenas no Extremo Oriente.
O resto da minha vida, doravante, será escrupulosamente dedicado a esquecer o professor Boro e que ele — impronunciável absurdo! — se sentou na cadeira que está agora, na realidade de madeira, defronte de mim. Considero doentio esse facto, alucinatório talvez, e entrego-me com assiduidade a não me lembrar dele mais. Um japonês verdadeiro aqui, a falar comigo, a dizer-me coisas que nem mesmo eram falsas ou contraditórias! Não. Ele chama-se José e é de Lisboa. Falo simbolicamente, é claro. Porque ele pode chamar-se Macwhisky e ser de Inverness. O que ele não era decerto era japonês, real, e possível visitante de Lisboa. Isso nunca. Desse modo não havia ciência, se o primeiro ocasional nos viesse negar o que os nossos estudos assíduos nos fizeram ver.
Professor Boro, da Universidade de Tóquio? De Tóquio? Universidade de Tóquio? Nada disso existe. Isso é uma ilusão. Os inferiores e cábulas de nós construíram, para se não desorientarem, um Japão à imagem e semelhança da Europa, desta triste Europa tão excessivamente real. Sonhadores! Alucinados!
Basta-me olhar para aquela bandeja, pegar cariciosamente com o olhar naquele serviço de chá. Depois venham falar-me em Japão existente, em Japão comercial, em Japão guerreiro! Não é para nada que, através de esforgos consecutivos, a nossa época ganhou o duro nome de científica. Japoneses com vida real, com três dimensões, com uma pátria com paisagens de cores autênticas! Lérias para entretenimento do povo, mas que a quem estudou não enganam…
Crónica decorativa II
Soube hoje uma coisa que me desgostou — que a Pérsia realmente existe. Eu julgava que a Pérsia era apenas o nome especial que se dava à beleza de certos tapetes. Agora parece que um explorador moderno afirma a sua existência. Se bem que os exploradores modernos sejam, como em geral todos os homens de ciência, susceptíveis de erro mais que os outros homens, disse-me há pouco um jornalista que o facto merece crédito. A ser verdade (eu ainda hesito) resta saber que nome se vai dar de hoje em diante aos tapetes persas. E a poesia persa — a propósito — que nova denominado vai ter?
Serve-me este assunto de tema para expor certas opiniões que há muito tempo uso sobre o modo extraordinariamente intenso como, de há tempo para cá, a ciência grassa e o espírito científico nos ataca. Se daqui a pouco o pólo sul vai também desatar a ser real, não sei a que ponto chegaremos. Breve existirá tudo e não está longe o dia, talvez, em que basta sonharmos uma rainha medieval para ela nos entrar, contemporânea e anatomizável, pela porta dentro, depois de bater à realidade da campainha e se fazer anunciar pela presença beiroa da criada.
Afirmou-me um amigo meu, o qual, por culto, me merece um crédito dubitante, que lera em livro de Guyau que um Keats brindara coisas más para a memória de Newton porque ele fizera qualquer coisa como descobrir leis que tinham que ver com os astros. Se ponho certo vago na minha descrição é porque não tenho a mínima ideia do que Newton fez ou descobriu. O facto, agora, é o brinde de Keats. Esse brinde contém uma intuição justa. A aplicação é que é péssima. Não fez mal a ninguém descobrir as leis dos astros. Eles sempre foram visíveis. E a sua boa qualidade de serem longínquos, não lha tirou a descoberta de Newton, fosse ela qual fosse; e, de mais a mais, essa descoberta, sendo matemática e portanto totalmente com feição de falsa, fez, do mal inevitável, o menos possível.
Desviei-me um parágrafo do assunto, para poder ver bem o que me convinha ter sempre pensado dele. Estou agora de posse da ideia de que sempre concordei com a essência do brinde de Keats. É necessário, pondo o problema no campo político e social (aqui vem a minha originalidade), estudar como se deve coibir e disciplinar utilmente a acção da investigação, da exploração e da ciência em geral.
Que a existência de laboratórios seja uma mancha sobre a nossa civilização — ninguém de ânimo firme o nega, ou também que as perigosas facilidades dadas ao trânsito por térras secularmente entregues à tradicional actividade dos salteadores, e mares donde o carácter revolucionário da civilização moderna baniu a instituição dos piratas, seja um dos mais licenciosos resultados da Revolução Francesa e do espírito anarquista em geral. Mas, em lugar de se atentar para estas deficiências de disciplina e de ordem que repugnam tanto ao espírito positivo como ao são critério expresso na máxima de São Tomás de Aquino — eadem res generatur et conservantur in esse —, o exagerado amor ao sensacionalismo da vida moderna, e a doentia tendência para acreditar ñas informações dos jornais têm favorecido, sem que alguém pense em as dever evitar, o desenvolvimento do espírito científico.
Читать дальшеИнтервал:
Закладка: