Фернандо Пессоа - Банкир-анархист и другие рассказы
- Название:Банкир-анархист и другие рассказы
- Автор:
- Жанр:
- Издательство:Центр книги Рудомино
- Год:2016
- Город:Москва
- ISBN:978-5-00087-081-5
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Por ora as consequências da fraqueza das instituições democráticas têm sido notadas. Salvo o facto — contestável, de resto, manda a verdade que se diga — da descoberta do pólo norte, e agora este, recentíssimo, da afirmação da existência da Pérsia, poucas têm sido as consequências notáveis. Mas se repararmos o que esses dois factos já por si representam, de chofre nos ocorrerá qual o perigo crescente e assolapado que nos confronta e breve, visível e inevitável, se erguerá diante de nós.
Urge para já a constituição de uma Liga Anticientífica onde se defendam os impreteríveis direitos que as térras desconhecidas têm de permanecer desconhecidas, e os países inexistentes de não verem de um día para o outro violada a sua neutralidade e forçados a entrar ñas campanhas da realidade. Nem se pode dizer que isto esteja fora dos bons princípios liberáis. O partido liberal inglês — partido representativo, mais do que nenhum, do liberalismo — teve quase sempre por doutrina (salvo, é claro, nos casos de utilidade nacional), por inviolável, a vida e instituições dos outros países. E ao mesmo tempo, esta doutrina é a sã e pura atitude conservadora, dado que o que se pretende defender é a Tradição, a Ordem, a Disciplina Social.
Na nossa política tem-se visto recentemente o resultado desta táctica revolucionária. Um grupo de dementados tem recentemente insistido pela implantação da monarquia no nosso país. Atentam assim, de ânimo leve, contra o carácter tradicional da monarquía, que é o de existir belamente e entusiasticamente — e isso só se pode dar estando ele sempre no passado e por isso acima das paixões e das flutuações do sentimentalismo humano. E atentam contra o sagrado princípio da Tradição, que exige e sempre exigiu que a Tradição ficasse no passado, sem que o presente lhe tocasse ou a atingisse, servindo-se dela.
É desolador este estado de coisas. Ninguém pensa para onde vai, o que será o dia de amanhã. Para alguns ele deve ser ontem. Assim passam, entre dúvidas e tédios, os nossos tristes e cansados dias.
Impõe-se uma reacção enérgica e disciplinada. Por toda a parte o espírito revolucionário e o excesso de espírito científico — ou, melhor, o espírito científico indisciplinado — pretendem avassalar a realidade. Ontem foi o pólo norte declarado descoberto. Todo o conservador estremeceu. Hoje é a Pérsia declarada existente. Todo aquele para quem a Tradição representa mais alguma coisa de que um nome sentiu as lágrimas chegarem-lhe aos olhos. Não pesou nada na balança dos escrúpulos dos cientistas a beleza dos poemas de um Hafiz, de um Rumi, de um Omar Khayyam. Foi em vão que estes grandes nomes do Passado tornaram grande e irreal e falsa a sua Pátria. Nada é sagrado para os demagogos de hoje. Que mais pretendem? Quanto mais váo ousar? Só lhes falta provar que Cristo foi uma realidade, que existiu o Império Romano, que as lutas políticas da Grécia tiveram lugar realmente. Que mais querem, os novos bárbaros?
Este grito é, bem o sei, lançado aos ventos. Nenhuma Liga Anticientífica se formará. Ninguém fará soar a sua voz de acordo com a minha contrta a invasão destes desintegradores da sociedade. Ficará tudo entregue aos «progressos» do espírito «científico». Hoje não podemos ter tapetes persas. Já tínhamos perdido as paisagens polares. Amanhã irão as sedas da China, as cutelarias do velho Japão. Assim progressivamente escassearão as subsistências e dentro em breve, absorvidos pela animalidade, ver-nos-emos obrigados a viver na terra como qualquer animal, a ter saúde como qualquer larva, a acreditar na vida como uma patagónia ou um cherokee.
Que o sábio que daqui a dez mil anos estudar a nossa civilização extinta, aplicando-se à época da decadência, possa, lendo estas linhas de um homem amante da Tradição e da Ordem, verificar que nem todos se deixaram ir na maré, que uma voz houve que se erguesse no meio da cobardía da aceitação universal.
A rosa de seda
(fábula)
Num fabulário ainda por encontrar será um día lida esta fábula:
A uma bordadora dum país longínquo foi encomendado pela sua rainha que bordasse, sobre seda ou cetim, entre fo-lhas, uma rosa branca. Abordadora, como era muitojovem, foi procurar por toda a parte aquela rosa branca perfeitíssima, em cuja semelhança bordasse a sua. Mas sucedia que umas rosas eram menos belas do que lhe convinha, e que outras não eram brancas como deviam ser. Gastou dias sobre dias, chorosas horas, buscando a rosa que imitasse com seda, e, como nos países longínquos nunca deixa de haver pena de morte, ela sabia bem que, pelas leis dos contos como este, não podiam deixar de a matar se ela não bordasse a rosa branca.
Por fim, não tendo melhor remédio, bordou de memória a rosa que lhe haviam exigido. Depois de a bordar foi compará-la com as rosas brancas que existem realmente nas roseiras. Sucedeu que todas as rosas brancas se pareciam exactamente com a rosa que ela bordara, que cada urna delas era exactamente aquela.
Ela levou o trabalho ao palácio e é de supor que casasse com o príncipe.
No fabulário onde vem, esta fábula não traz moralidade. Mesmo porque, na idade de ouro, as fábulas não tinham moralidade nenhuma.
Empresa fornecedora de mitos, Ida
— Está ali, disse a criada, um sujeito que lhe quer falar.
— Não disse quem era? perguntei.
— Deu este bilhete, disse ela sem salva.
Pequei no bilhete, e o que li nele fez com que me sentasse direito na cadeira, contra todas as tradições que acumulei na minha vida sem decisões.
O bilhete dizia assim predominantemente:
EMPRESA FORNECEDORA DE MITOS, LIMITADA.
E, por baixo, lia-se, a subordinação do costume:
«Representada por…»
— Este sujeito perguntou por mim? inquirí déla.
— Perguntou pelo «senhor»…
— Bem, disse, manda-o entrar…
O cartão não dizia morada, nem, além destas, trazia uma indicação qualquer.
O caixeiro de praça, ou viajante, entrou no meu gabinete com a segurança física que é peculiar da classe. Diferençava-se dos congéneres meus conhecidos em não trazer mala nem sorriso. Cumprimentou-me cerimoniosamente, com um abaixar leve da cabeça. Indiquei-lhe que se sentas-se. Sentou-se, e fitou-me um momento.
— Desejava?.. meio perguntei.
Ele curvou-se levemente para mim, e começou a expor a sua missão numa voz que, sem deixar de ser um pouco monótona, não o era contudo desagradavelmente.
— Antes de lhe explicar, com a devida minúcia, a natureza e qualidades dos artigos que tenho a oferecer, desejava fazer-lhe, se mo permite, uma breve exposição das razões que levaram a casa que represento — primeiro, a fundar-se, segundo, a produzir, com a ciência e o escrúpulo que mostrarei, as qualidades e tipos de artigos em que se especializou industrialmente.
Acenei que sim, vagamente, percebendo só, por enquanto, que nada por enquanto percebia.
O meu visitante, que fitara o chão um momento, tornou em breve a erguer a cabeça.
— A sociedade compõe-se de três camadas distintas. A primeira é a dos criadores de mitos, e é a verdadeira aristocracia. Propriamente há criadores e transformadores de mitos — os homens de génio e os de talento, tomando cada palavra um sentido de valia mais alto que geralmente se lhe concede. — A segunda camada é a dos □ [15] □ — espaço em branco deixado pelo autor.
. Um soldado que se bate por Napoleão sente em si uma vida mais vasta e grande que o homem que passa na vida nulo, e anónimo para si mesmo.
— Mas, nesse caso, porque protestas contra os mitos revolucionários e radicais modernos?
— Porque esses têm a pretensão de não ser mitos…
— Mas todo o mito, para ter força, tem que impor-se com verdade. Não há cristãos onde se considera como mito o mito cristão.
— Não é bem isso… os mitos revolucionários tenndem a destruir a única realidade, que é a distinção de classes. Aí é que está a sua inutilidade e a sua falsidade social. Que se defenda uma aristocracia diferente da actual, entende-se; mas que se não defenda aristocracia nenhuma…
— Mas pode defender-se uma aristocracia de trabalho, segundo os próprios mitos radicais…
— Propriamente não se defende, mas admita-se que sim… Ora o trabalho não pode ser um mito, porque é uma realidade. Sim: produzir é criar realidade, isto é, coisas inteiramente inúteis. Um mito é a criação de irrealidades isto é, coisas úteis, vivas, que duram e perduram. De todas as indústrias modernas, disse ele, aquela que, sendo embora exercida em larga escala, o é contudo ainda de um modo inteiramente empírico, é a industria política. Ora o caminho natural da invenção — e a nossa época é acentuadamente uma época inventiva — é o de encontrar fórmulas científicas, e processos derivados dessas fórmulas, para eliminar o empirismo, a grosseria técnica, que é o primeiro estádio inevitável de qualquer arte ou de qualquer indústria. Por que razão não se teria ainda alguém lembrado de introduzir a ciência e a técnica racional no empirismo político, destruindo-o e aperfeiçoando a política? Pela simples razão que ninguém ainda disso se tinha lembrado. Até o primeiro que se lembra, ninguém se lembrou, em coisa nenhuma. Ora a minha firma foi a primeira que reparou que estava ainda livre o campo inventivo na indústria política. A minha firma inventou os processos técnicos desta indústria.
E desapareceu, sem mala e sempre sem o sorriso, do meu limitadíssimo horizonte.
O filatelista
(A inutilidade de dar conselhos)
Eu não aconselho. Colecciono selos. Para dar conselhos é preciso estar absolutamente seguro de que os conselhos são bons, e para isso é preciso estar certo (o que em absoluto ninguém está) que se está na posse da verdade. E, depois, é preciso saber se esses conselhos se adaptam ao indivíduo a que se estão dando, e para isso é preciso conhecer-lhe a alma toda, o que nunca se pode dar. E, além disto, ainda há que o modo de dar os conselhos deve ser exactamente o adaptado àquela alma; aconselham às vezes coisas que não se quer que se façam para, combinadas com elementos outros da alma aconselhada, darem o resultado que se quer. Só gente muito ingénua dá conselhos.
O que nós temos por verdade é apenas a mais provável, ou a mais improvável de várias probabilidades. Assim, qualquer indivíduo, por normalmente certo que no assunto se sinta, não pode jurar, com absoluta consciência intelectual, não só de que tal indivíduo do sexo masculino é seu pai, mas também de que tal outro, do sexo feminino, é sua mãe. Para crer que quem é tido por seu pai o é realmente, o mais que ele tem é, não lhe constando que sua mãe tivesse traído o marido, o julgue que não o fez nunca. Para ter certeza, intelectual, de que tal indivíduo é pai de outro era preciso ter assistido ao acto da fundação, ter inspeccionado de perto a fecundidade — de modo a não haver certeza □ — e ainda assim restava a ideia de paternidade metafisicamente considerada para mais embrulhar o assunto. Quanto a um indivíduo não poder afirmar que tal mulher é sua mãe, quem lhe diz que, parido por ela um ente masculino, este não foi substituído por outro parido, pela ama por exemplo, e por hipótese? O mais que se pode dizer é que isto é improvável — ou antes, que é menos provável que a hipótese contrária. Mas certeza certa propriamente não a há.
O que chamamos verdade não o é para certezas, é o que envolve uma improbabilidade menor, uma maior soma de probabilidades. Tanto basta para entreabrir a porta ao suspeitar. E uma porta entreaberta, porque não é uma porta fechada, é uma porta aberta. O suspeitar entra.
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